Reconheço a Cristiano Ronaldo várias qualidades: força mental, vontade inquebrantável, trabalho e resiliência. Um marcador de golos implacável e um atleta fenomenal.
Nascer no seio da família que nasceu, que estava inserida num meio complicado e por certo condenada à pobreza, fez com que se agarrasse, com unhas e dentes, ao que vários, nas mesmas condições, se agarraram: o futebol, como única hipótese de escada social ou escape a um destino de sacrifício hercúleo.
Muitos intelectuais, da praça e não só, gostam de desdenhar do futebol, não compreendendo que para muitos é a única hipótese de aspirar a algo mais que uma vida cheia de confinamentos e privações.
Não vamos muito longe: quem é que no Vale do Ave, há vinte ou há trinta anos, para não ir mais atrás, tinha acesso a uma biblioteca pessoal, a conhecer outros países (até cidades de Portugal), a ter a possibilidade de frequentar aulas particulares de inglês (ou outra língua) e/ou música?
A bola é, desde há muito, uma possibilidade, por vezes a única (para muita gente que nasceu aparentemente fadada a destinos mais truncados). Por aí, tem a minha admiração.
O problema é o restante: um ego desmedido, estupidamente competitivo, vaidoso e autocentrado.
Ronaldo tem dinheiro para se cultivar, mas prefere desbaratar essa possibilidade em situações vãs, comprando adulação, em todos os cantos, sempre que possível. Ronaldo nunca tem nada de interessante para dizer. Não tem carisma. Não é um líder. Só sabe falar de si e dos seus recordes.
A aparente bonomia de Ronaldo sempre me pareceu uma coisa ensaiada, com o intuito de daí tirar dividendos pessoais (ao nível de premiações). Contudo, e apesar de tudo, ainda acreditei que Ronaldo, um atleta de gabarito, não se exporia ao ridículo de aceitar participar em encenações como esta última (a do jogador do século XXI).
Devo ter andado distraído: um fulano que precisa que toda a gente o trate com deferência (melhor do mundo para aqui e para acolá), um fulano que condicionou o valor da transferência de Bale para o Real Madrid (para continuar a ser o mais caro), um fulano que ficou melindrado pelo valor da transferência de João Félix (do Benfica para o Atlético de Madrid), um fulano que acredita ser o "melhor de sempre" (porque tem assessores e uma equipa de imagem que o repetem ad nauseam), é óbvio que aceitará, sempre, qualquer oportunidade para satisfazer a sua enorme saciedade egotística.
Isto deixa-me com uma dúvida: Ronaldo, um portento físico e mental, é assim tão inseguro?
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