Na rua pelo futuro da cultura? Não, obrigado. Essa cultura, a que defendem as corporações e a maquinaria oleada em torno de um bolo reservado a uns quantos, não me serve.
A pandemia agudizou uma crise já antiga. Tenho a ideia de uma ideia de cultura plena e não truncada: não centrada em três ou quatro variantes (o que é, creio, completamente redutor).
A cultura, esse vínculo em constante transformação e evolução, precisa de pluralidade para o engrandecimento do sector, com apoios sustentados e inclusivos, o que claramente não acontece (como são disso exemplo o concurso de apoios da DGArtes, entre outros).
O acesso à cultura será um apoio e um direito quando a educação for inclusiva, valorizando o papel da arte e da cultura como bens de primeira necessidade, como forma de crescer, de várias possibilidades, num quadro de valorização social e de diversidade. A cultura não pode ser quinhão de uns poucos.
A própria formação superior de cariz artístico-cultural deve sustentar o apoio aos seus formandos, proporcionando-lhes oportunidades justas e respeitosas. Que formas de crescer e de sustento são apresentadas aos jovens formados nas mais variadas áreas artísticas, quando saem das faculdades? Que hipóteses reais têm em fazer do seu mester vida, ou em concursos para apoios que beneficiam quem já está na roda? Como se conta e se exige curriculum se o mesmo está por construir?
Um simulacro de cultura na qual editores, directores artísticos, direcções de curso, professores universitários, programadores culturais e promotores (não todos, entenda-se) estimulam o trabalho tendencialmente gratuito ou precário como forma de aliciamento para eventuais oportunidades futuras ou, apenas, curriculum, é uma perversão.
O peso daquilo a que chamo "periferia cultural", no bolo geral da cultura, é grande: os artistas, que são a base da pirâmide, são o bloco mais frágil.
Não podemos continuar a alimentar a ideia, ou a ilusão, de que uns existem por causa de outros, ou para promover os outros. A verdade é que, não poucas vezes, os artistas parecem apenas legitimar a existência de estruturas pesadas e monocórdicas que impõem a sua própria política de gosto. E essa é uma das grandes lutas, para mim: confunde-se "formação de públicos" com "formatação" dos mesmos. A cultura deve sugerir e não impor.
É por isso, mas não apenas, que muitas das petições que vieram a público durante a pandemia me pareceram oriundas do circuito que está já habituado aos vícios e ao clientelismo, com excepção do "Cultura para todos" (suprimido pela alegórica ministra da Cultura).
É preciso mudar. Podemos muito, muito mais.
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