Cabe aos Estudantes, antes de tudo e todos, lutar pela mudança: justiça social.
Os problemas e as soluções da sociedade resultam, indubitavelmente, da educação. Sem o acesso à educação, não há, não pode haver, justiça social. Mas o conceito de educação é amplo, não se esgota nesta ou naquela noção. Há muitos caminhos para um determinado fim.
Truncar e/ou coar esses caminhos resultará numa perigosíssima via única (ou vias únicas), abrindo espaço ao unanimismo, à inevitabilidade ou à ausência de alternativas.
Quase 50 anos desde a Revolução de Abril, e mais de 50 anos desde a Crise Académica de 1969, em Coimbra, fenómenos que, quanto a mim, se complementam, e que deveriam ter sido o rastilho para uma transformação a vários níveis, continuamos a debater situações que, em pleno Século XXI, já deveriam ser uma realidade. Pelo contrário, retrocedemos até novas formas de coagem, transformando a educação num negócio, gerida como uma empresa, com os casos mais flagrantes, por se tratarem de instituições públicas, a aparecerem através do regime fundacional das universidades, colocando em causa os ideais democráticos. É por isso que somos confrontados com o mesmo tipo de prosa, saída das bocas que conduzem as instituições, batendo e rebatendo as palavras vazias que compõem os chavões do "mérito", da "retenção de talentos", da "aproximação ao tecido empresarial" e da "competitividade". Troquemos isso tudo por um sinónimo bem mais curto: poder económico (ou "dinheiro").
Mas não apenas do acesso, ou da forma de acesso, devemos discorrer: acesso, mas a quê? Miguel Cardina, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, referindo-se à crise estudantil de 1969, que também se bateu pela democratização do ensino superior, faz questão de ressalvar que aquela manifestação "acabou por dar corpo a uma juventude estudantil que se forma na recusa de uma 'universidade velha' (feita de exames, sebentas e afastamento dos grandes problemas da época) e na contestação à ditadura."
Ora, se pensarmos a fundo sobre esta conclusão, perceberemos que os mesmos ditames se mantêm: temos uma universidade 'feita de exames', logo profundamente ortodoxa e conservadora (e no caso da Universidade do Minho, em particular, agravada pela muito recente questão 'Respondus'), e "afastada dos grandes problemas da época": a universidade actual não incentiva o pensamento crítico/original e procura que os alunos se alheiem do centro nevrálgico de decisão. Aliás, a universidade e os seus corpos gerentes tomam de pressuposto que os alunos não são capazes de discernir sem ajuda "superior", uma condescendência arreliadora e bem representativa do pensamento impune de uma pequena elite. A universidade actual pretende a continuação e perpetuação da engrenagem que a torna uma realidade à parte. O alheamento dos grandes problemas correntes é bem visível nas respostas deficitárias, contraditórias e profundamente desumanizadas à pandemia. A Universidade, como alguém escreveu há dias no "Público", desistiu dos seus alunos.
Pegando, ainda, nesse escrito de Miguel Cardina, é curioso perceber que um dos docentes que tentou abafar e apoucar o impacto da crise de '69, fazendo o possível para que os estudantes em questão pagassem bem caro a "ousadia" (procurando a sua expulsão da universidade), foi alguém recentemente laureado, à altura professor na FLUC e, voluntariamente, alguém que colaborou com a PIDE. É importante acrescentar que esse docente gostava de apoucar estudantes do sexo feminino (com comentários de teor misógino) e defendia a elitização do ensino superior (como algumas das suas intervenções, enquanto membro da União Nacional, deixavam perceber). Esse professor, que foi corrido de Coimbra, veio para a Universidade do Minho, ainda a tempo de ser catedrático do Instituto de Letras e vice-reitor. O actual reitor da Universidade do Minho, Rui Vieira de Castro, chamou-lhe "professor único", por altura da atribuição do Prémio. Muitos dos alunos e alunas a quem brindou com impropérios de vária espécie concordarão (pelas piores razões). É muito fácil perceber que muitos dos estudantes que agora acedem à Universidade não teriam, na consideração desse docente, o direito de lá estar.
E, de facto, muitos nunca lá chegam, com carências várias, obrigadas a trabalhar e estudar ao mesmo tempo, crescendo perante uma vida de privação e sacrifício. Milhares de casos, de histórias diferentes, mas com traços em comum: a impossibilidade de aceder a um suposto bolo da democracia.
Reduzir as propinas não chega: é preciso acabar com elas. É preciso que haja condições para que cada vez mais gente tenha acesso ao ensino superior, mas mais acesso não poderá significar menos qualidade, nem estagnação: o ensino superior precisa, como do pão para a boca, de uma reforma actualizada, que chegue, enfim, ao século XXI, com novas formas, novos paradigmas e novas abordagens. Deixemos, lá bem enterrada, a universidade dos exames e das sebentas, da categorização, da prosa gasta e da elitização e estratificação por castas.
Portanto, Estudantes, projectando já o Dia 28 de Abril, o tempo tem de ser agora. Ou o quanto antes.
*Dedico esta prosa ao Dr. Alberto Martins.
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