Ponto prévio: Sou Nicolino. Não importa a gradação que lhe queiram dar. Sou e pronto. Essa é, para o texto que se segue, a minha principal condicionante. Nunca quis ser exemplo para ninguém, até porque tenho noção em relação às minhas falhas, logo, não tenho como propósito dar qualquer tipo de lição de moral a quem quer que seja.
Quando escrevo textos de opinião, nunca pretendo que os mesmos se tornem em verdades ou coisas do género: são composições com um ponto de vista, o meu, valha isso o que valer. Nunca passarão, pela minha perspectiva, de uma sugestão. Quem quiser poderá rever-se neles (ou em partes deles), quem escolher o oposto também está bem. Não tenho pretensão para mais. Discordar é salutar (desde que não se encerre, tão só, no puro deleite da discórdia pela discórdia). Nem sempre (às vezes raramente) concordo com os meus Amigos, mas eles gostaram sempre (acho eu) de mim (na mesma). Quem não gostar, continuará a não gostar (não valerá a pena). As opiniões são como as cuecas: é preciso saber separá-las (por cores, tamanhos e feitios).
É, a meu ver, muito óbvia, desde o início, a (não) estratégia do Governo em relação à gestão desta pandemia: desculpabilização e desresponsabilização. Tenho poucas dúvidas de que seria igual (ou pior) fosse qual fosse o governo. Desculpabilização porque o SNS não foi reforçado e os lares continuam ao sabor dos Inverno: não há medidas de fundo (e tratam-se sintomas, mas não as causas); Desresponsabilização porque empurrou-se o problema com a barriga, lançaram-se medidas contraditórias e de difícil exequibilidade (era quase certo o seu incumprimento) para haver espaço para o "lavar de mãos" e, até, para o endurecimento das mesmas (com o beneplácito dos cidadãos, assustados), lançando a população, em muitas partes deficitária no que toca ao conhecimento (pouco ou nenhum) do funcionamento de uma epidemia/pandemia, numa escuridão sem fim à vista. Com isto, houve a transformação do vizinho do lado num potencial delator/polícia dos costumes. Sintomática, por exemplo, embora não acredite que tenha sido propositada, foi a atribuição do Prémio Camões, o maior prémio literário da Língua Portuguesa, a um bufo da Pide. E não é apenas essa a nossa tragédia. Foram (são?) muitos, demasiados anos de obediência, "bons costumes" e falta de espírito crítico. Por onde é que andam os intelectuais, os pensadores, os escritores, o pensamento divergente? Condensam-se nas oficinas de escrita "para ficção, roteiros e técnicas de desbloqueio" que se oferecem um pouco por toda a parte? Onde estão as opiniões beligerantes, o "tomar partido", os diferentes lados da barricada? É tudo, ou quase, uma insuportável água morna (ou choca) de camisas engomadas e cabelos à playmobil. Para o tema que importa, que é o das Nicolinas, Paulo Freitas do Amaral, que tem feito de conta que é director de um jornal regional (com funcionários, quando é ele o único "colaborador" do folhetim), que é professor universitário, político, benemérito e tudo e mais alguma coisa, farto de ser ignorado por todos em tudo o que faz (e que é, a meu ver, completamente irrelevante), enxerga na manhã de 29 de Novembro, no Largo da Oliveira, a oportunidade de cavalgar, de forma mais "eficaz", a onda que tem ultimamente levantado contra o executivo municipal de Guimarães, na pessoa do seu Presidente, Dr. Domingos Bragança. Ele sabe (apesar das limitações) que os tempos são pródigos no que toca a delação, e, fazendo-se valer disso (que, conhecendo a personagem, terá sido algo mesmo em cima do joelho), faz um vídeo a partir de um plano enviesado, um pouco à imagem das tristemente célebres fotos do Multiusos, aqui há uns tempos, e remete-o para os canais de televisão e outros média, sempre sedentos de tragédia e de escândalo. Atenção: escrevo de um indivíduo que, para tentar catapultar a sua candidatura a Presidente da República, se enfiou num reality show (acabando por desistir em favor de Marcelo Rebelo de Sousa, o hipocondríaco). Iludido pela circunstância, PFA até se assumiu como colaborador do JN. Não vale a pena alongar-me: PFA é um festival de arrivismo, situacionismo e cupidez exacerbada. O seu problema esgota-se, neste caso em particular, com o querer atacar a Câmara Municipal, tendo utilizado a Comissão de Festas, e as Nicolinas, para tal. Se tivesse realizado aquele vídeo dentro de um shopping ou de um hipermercado, quase de certeza que apanharia bem mais gente, mas o impacto, e ele sabia-o, não seria o mesmo.
As câmaras municipais estão reféns do poder central. Condicionadíssimas pela opinião pública. Como em tudo, há boas medidas e há más medidas. Pena é que algumas boas medidas estejam assentes em premissas, na minha opinião, erradas. Algumas câmaras, através do seu executivo, tentam ser mais papistas do que o papa. É uma opção comum, e uma tentação, na ânsia de mostrar serviço. Com o escalar da divulgação, e com a condenação aos olhos de um público manietado pelas televisões, tomou-se uma opção que, não querendo acreditar, parece mesmo retaliação pelos acontecimentos da manhã: erguer um Pinheiro, de madrugada, com uma dúzia de presentes, acarreta riscos?
Passei há bocado pelo local onde todos os anos se ergue, ao alto e ao longe, o símbolo do começo da Festa dos Estudantes de Guimarães: dois carros da Polícia, com quatro ou cinco agentes, guardavam-no. Que tempos estes (e que falta de bom-senso).
Há dois anos, na noite do Pinheiro (29 de Novembro de 2018), assaltaram e danificaram o meu carro, na Praceta Paulo VI (Urgezes, Guimarães). Chamei a polícia para registar a ocorrência (e para se proceder à respectiva peritagem). Os agentes apareceram a correr, tomaram conta do registo num envelope, disseram-me para que me apresentasse no dia seguinte na esquadra, para a peritagem, e puseram-se a andar (isto demorou dois ou três minutos). Motivo: tinham de fechar a cidade com "operações-stop". É esta a noção do "servir e proteger" de muitos agentes e suas chefias (não todos/as). Não me apresentei à peritagem porque precisava do carro para ir para Braga. Passados uns tempos, fui intimado, por carta, a apresentar-me no posto mais próximo da área de residência. Pelo tipo de escrita utilizado, até parecia que era eu o culpado.
Apresentei-me: no interrogatório, a primeira pergunta que me dirigiram tinha a ver com a minha ausência (no dia seguinte ao assalto) na/da peritagem. Indignei-me. Como já esperava, fruto da experiência, a investigação não deu em nada. Não contem comigo para louvar a polícia: não lhes quero mal, que façam o seu trabalho, mas longe de mim, se possível. Já tive más experiências suficientes.
O que importa: “Rapazes! Nossa música divina
Capaz de estremunhar até Morfeu!
A música da festa Nicolina
Que a terra abala e desconjunta o Céu!
Mais força, se é possível, mais ferina,
Que ainda não é bastante este escarcéu!
Façamos tal restolho, tal chinfrim
Que o inferno pareça aqui assim!…” A(s) Festa(s) Nicolina(s) faz(em)-se de rebeldia. Este excerto, a oitava que encerra o Pregão de 1904, da autoria de João de Meira, tem a particularidade de servir de baptismo para a nossa celebração: antes dele, chamavam "o São Nicolau" aos festejos; depois, passou à actual designação: Festas Nicolinas. Este mesmo Pregão foi dedicado, pelo seu Autor, ao Dr. Agostinho Vicente Ferreira de Castro Freitas, que, em 1825, fôra preso por ter escrito o pregão de São Nicolau utilizando uma linguagem muito violenta. Em 1837, no seguimento do julgado em 2ªinstância, a propósito do Dízimo de Urgezes, os estudantes rebelaram-se contra o Cónego Baptista, figura proeminente da Colegiada. Daí nasceria a Associação Escolástica Vimaranense; em 1935, o (futuro) Engenheiro (e Nicolino Mor) Hélder Rocha viu-se reprovado a uma disciplina, por se ter recusado a omitir (censurar) uma parte do Pregão daquele ano (da autoria de Delfim de Guimarães); em 1943, por lhes quererem impor o estandarte da Mocidade Portuguesa, entre outras situações, a Comissão de Festas fez-se eleger no Jardim do Carmo, junto ao chafariz, pela primeira vez, à revelia da reitoria do Liceu. Há vários outros exemplos: as Nicolinas foram sempre uma demonstração da irreverência estudantil perante o poder instituído. Isso não implica abdicar da responsabilidade, nem de todo o restante (como o sentido crítico perante uma ditadura sanitária sem contraditório). O resto, meus Amigos, fica ao critério da vossa imaginação.
IMAGEM: O Minho
Muito obrigada por este texto!