top of page
  • Foto do escritorPaulo César Gonçalves

A DESUMANIZAÇÃO DO OUTRO (E O GOMO DE LARANJA MAIS CONVENIENTE)



Na presente situação, não ter medo é um luxo. Mas a verdade é que o medo tem um guarda-roupa bem diversificado, e, por isso, a liberdade de vestir o que lhe der na gana. É por essa razão que o que me assusta, como já assustava em Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto ou Setembro, é a cura que tem sido escolhida, sem lugar a alternativa.


Talvez por me ter treinado e habituado, independentemente da censura e do soslaio, a olhar para diferentes caminhos para o mesmo fim, tenha uma abordagem muito distinta não só em relação a esta, mas como a muitas outras questões. Estou incrédulo com a supressão (ou terciarização) do contraditório (como no caso do Prof. Torgal), com o ataque cerrado a quem ousa um "mas" à estratégia adoptada, enfim, com a tentativa de diminuição imediata (com os epítetos já bem conhecidos e corriqueiros), e pública, de quem pensa diferente.


Acabo de ouvir alguém, na rádio, a afirmar que o 'novo normal talvez seja ficar sempre em casa'. Já nem sei se fico surpreendido. Só posso acreditar que quem defende abordagens como esta não terá problemas de saúde, nem de dinheiro. Não me compete condenar, afinal de contas as pessoas escolhem o gomo de laranja que melhor serve aos seus propósitos, mas que não se fale ou escreva em/de "pensar no próximo" com base no combate à pandemia, porque a esse "próximo" terá calhado em sorte outro gomo.


Já foram divulgados alguns dados relacionados com mortalidade em excesso, consultas e cirurgias em atraso, bem como o efeito que terá a falta de diagnósticos. Há uma realidade que nos tem sido inculcada pelos media, na qual morrer de outras causas é, parece, aceitável: do vírus é que não.


O desemprego aumentou, empresas fecharam e a barreira da precariedade avança cada vez mais. Os casos de violência doméstica multiplicaram-se e o sedentarismo, bem como as depressões, as doenças do foro psicológico e os suicídios, terão atingido máximos históricos. As crianças não podem ser crianças e o experimentalismo sanitário engole a empatia e a interacção social. E o que se faz? Campanhas centradas no outro, de culpabilização/criminalização do outro, de guerra e delação ao/do outro. É a verdadeira desumanização do outro (com os resultados que já se conhecem de outras ocasiões).


Sinto que, e posso estar errado, as pessoas não terão bem noção do que aí vem. Sem moratórias, sem lay-off e sem ajudas, a fome, a miséria e a pobreza dispararão.


Não sou nenhum dono da verdade, nem quero (e ainda bem), nem me interessa (ou interessou) ser especialista de coisa nenhuma, mas escrevo com base no que tenho vivido e sentido: as pessoas ficam com uma ilusão de segurança quando ouvem alguém, de voz séria, a afirmar coisas destas (na rádio). Precisam dessa almofada. A verdade é que só se poderiam controlar os focos de infecção se se conhecesse a sua origem, e se todas as pessoas desse perímetro fossem testadas e isoladas durante um período que compreendesse todas as variáveis possíveis. Como isso não é possível, numa sociedade como a nossa, porque no momento em que a doença é descoberta já houve milhões de cadeias de transmissão, tudo o que se possa dizer não passará de um bálsamo. Mas é um bálsamo com muitos danos colaterais.


Não é possível tentar parar o mar com as mãos. Uma pandemia/vírus respiratório não se detém: combate-se. Quem achar o oposto está a iludir-se.




32 visualizações0 comentário

Posts recentes

Ver tudo
bottom of page