"Não sei que idade tinha, também não é importante. Tinha começado a andar na escola primária, penso. Fui, pela mão, com o meu Pai e com o meu Avô, assistir ao cortejo do Pinheiro. Subimos a Rua das Trinas, que agora sei identificar, mas na altura não, comigo às cavalitas do meu Avô, tenho uma memória muito viva desse momento. Havia muito movimento, gente a correr, de bombos ao alto. (...)
Chegámos à Igreja do Cano e colocámo-nos no lado que fica voltado para a rua de baixo, onde se estende, ainda hoje, o Pinheiro. Tinha umas fitas que me faziam recordar a árvore de Natal lá de casa. Aliás, durante muito tempo eu não conseguia dissociar uma coisa da outra.
Quando somos crianças, o mundo parece-nos gigantesco.
O cortejo começou. O meu Pai fez sinal ao meu Avô para começarem a caminhar. Não larguei a mão, quente, do meu Pai.
Parámos nos Palheiros. É curioso como há ruas que mantêm designações antigas. O meu Avô voltou a colocar-me sobre os ombros. Quando o Pinheiro passou por nós, puxado pelos bois, e com toda aquela gente a tocar como uma barulhenta orquestra, levei os dedos aos ouvidos. O meu Avô, assustado, amparou-me, com medo que eu caísse.
(...)
Tudo era, ou parecia, maravilhoso. Fixei os olhos num senhor que tocava caixa junto ao passeio, sempre em movimento descendente. Ao passar por nós, sorriu e piscou-me o olho. Parou de tocar, apontou uma das baquetas na minha direcção, e disse, bem alto:
- Um dia, vais ser tu.
E tinha razão.
FOTO: imagem gentilmente cedida por Sílvia Salgado Mota, do blog "Pedaços de Nós", para ilustrar um testemunho de uma pessoa que assistiu ao seu primeiro Pinheiro durante a década de '80.
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