Dar o que não se tem empurra o mundo das mais variadas formas. É do dar aquilo que nunca se recebeu que surge a diferença, o factor preponderante para uma quebra do código mais ou menos consensual e burocrático (que vem alimentando uma noção circunspecta a determinada crença).
Dar o que não se tem é uma prova superior de amor, seja ao outro, num plano mais pessoal, seja à raça humana ou à vida circundante existente.
Esta concepção ampla de amor pode repartir-se por quadros mais ou menos simples: um pai ou uma mãe que dão aos filhos o que nunca tiveram; um dono que acolhe, finalmente, um cão, depois de o ter desejado durante toda a sua infância; uma namorada que dá ao companheiro a segurança de que ela própria nunca usufruiu, ou o namorado que nutre e apoia a realização da amada, porque compreende que amar é, sobretudo, deixar o outro ser.
Dar o que não se tem é reconhecer, por exemplo, que se quer ou se procura ser uma pessoa melhor.
O dar o que não se tem ou teve, esse amor amplo, é muito mais do que uma promessa ou uma sedução momentânea: procura a verdade, na esperança, real, de que só a poderemos almejar pelo caminho do amor, dimensionado naqueles que amamos.
Este sentimento amplo e mais completo não requer especiais problematizações, porque se apoia na simplicidade e na pureza/nobreza de oferecer o que não temos, sejam a segurança de que nunca dispusemos, a coragem (aparentemente) inacessível até então, o casaco que passou ao lado, a fragilidade que se escondeu sob as camadas, a melhor parte do jantar ou, por fim, a capacidade de olhar para a outra pessoa como alguém que merece, porque é esse o seu caminho, a realização pessoal, seja qual for.
Dar o que não se tem torna-nos melhores.
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