Inverno de 1943: a jovem Maria, filha de mãe solteira, com quem vivia na Rua da Ramada, em Guimarães, decidira, apesar da oposição da progenitora, aceitar o pedido de casamento do seu pretendente, António, viúvo (e um pouco mais velho). Longe, muito longe, o guetto de Varsóvia revoltava-se, em força, pela primeira vez, contra a barbárie alemã (ou humana, no fundo). A Batalha de Estalinegrado encaminhava-se para o fim (sabido).
O casamento, sem grandes preparos, e sem convidados, apresentava os noivos como uma espécie de proscritos. Eram seis da manhã, escutavam-se as trindades a partir das torres (da igreja) do velho Campo da Feira, e os dois, humildemente trajados, desprovidos de fraque ou vestido de noiva, avançaram para uma vida em comum, abençoada (dentro do que era permitido) pela 'santa instituição'.
Realizada a boda, ofereceram os pés ao caminho, do centro de Guimarães até à rural e afastada Rendufe. Mais de dez quilómetros, em subida constante.
Lá, naquela terra mais Fafe do que Guimarães, apesar de Couto vimarano (e antigo), a Mãe (e sogra) Delfina preparara ao casal uma massa para o almoço.
Nos pés de Maria (do Nascimento) brilhavam uns sapatos novinhos em folha. O António, padeiro das filas do racionamento, sindicalista (ainda) em potência e feitio, oferecera-lhos. "Quando me casei, ele deu-me quatro pares de sapatos.", dizia. A mãe de Maria nunca lhe aceitou o marido. Já a filha se apresentava grávida e ela dizia-lhe para que o "deixasse ficar".
A Europa esburacava-se por quase toda a parte, mas a guerra de Maria e de António era bem particular: uma e outro enfrentavam a ortodoxia conservadora de uma sociedade fechada sobre si. Pela teimosia a que alguns chamam Amor. Um amor bem calçado.
NOTA: Esta é, mais coisa, menos coisa, a história do casamento dos meus Avós maternos.
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