Muito há ainda por saber (ou descobrir) no que toca às Festas Nicolinas. A sua originalidade e peculiaridade são tais, que não há base de comparação entre estas e outras festas académicas portuguesas. O saudoso engenheiro Hélder Rocha dizia algo como "originais, só as Nicolinas. As outras copiam-se umas às outras."
O actual modelo das Festas Nicolinas tem origem em 1895, com o ressurgimento, após anos de interregno, das mesmas. Vários nomes são incontornáveis: o Padre Gaspar Roriz, José Luís de Pina, Bráulio Caldas e, sobretudo, Jerónimo Sampaio (entre outros).
Jerónimo Sampaio, o "catedrático da Amizade", o "Pae das Festas", como foi chamado posteriormente, teve um papel fulcral no crescimento e na consolidação das Festas Nicolinas (à altura, ainda conhecidas por "O São Nicolau") na viragem do século XIX para o raiar do Século XX (e a sua participação nas mesmas é inequívoca até à década de 50, altura em que faleceu).
Não tenho documentos que mo confirmem, mas desconfio que serão do tempo de Jerónimo Sampaio (que foi Pregoeiro em 1895 e em 1897) as primeiras "comissões organizadoras" (assim designada em 1895) ou, como agora se estabeleceu, "Comissões de Festas Nicolinas". Antes disso, as celebrações seriam organizadas através do entendimento tácito entre os vários estudantes (ou coreiros) de Guimarães.
Como se financiavam as Festas?
Tudo indicará que a provisão terá origem na Renda (ou Dízimo) de Urgezes, herança de um cónego da Colegiada aos coreiros. A extinção dos Dízimos, por decreto real, em 1832, coloca em pé-de-guerra estudantes ("herdeiros" dos coreiros) e a Colegiada. O Tribunal é metido ao barulho. Os estudantes vencem a causa num primeiro momento. A colegiada, mais poderosa, faz-se socorrer do decreto, extinguindo a entrega da Renda de Urgezes. Inconformados, os estudantes acorrem à Colegiada, procurando o Cónego Baptista (para lhe baterem, ao que tudo indica). Desse imbróglio, nasceria a "Associação Escolástica Vimaranense", formada, em 1837, por trinta e nove estudantes (que lhe reconheceram os estatutos).
Acredito, mais uma vez sem qualquer base de sustentação a não ser alguma lógica remediada, que os estudantes, sem o Dízimo, abraçaram o velho costume de efectuar peditório para o sustento das suas celebrações (que se limitavam aos dias 5 e 6 de Dezembro), e que alguns desses locais, onde habitualmente pediam, se transformaram nas tão conhecidas "Posses".
Ainda hoje, passados quase duzentos anos, são realizados trabalhosos peditórios porta-a-porta, por toda a cidade e não só, pelos vários membros da Comissão de Festas Nicolinas eleita (que realizam toda esta acção a pé, sujeitos às condições que o céu decidir).
MAS...
Há no misterio das coisas uma beleza indizível: a acção de Frei Diogo de Murça.
O Antigo Reitor da Universidade de Coimbra, para onde foi após ter ocupado semelhante papel no Colégio (Universidade?) da Costa, em Guimarães (entre 1537 e 1543), tem, entre alguns aspectos curiosos da sua vida, uma estreita ligação ao culto de São Nicolau.
No blog "Coisas do Minho" escreve-se assim:
"Diz-nos uma 'Relação Secreta' (relativa a guerras na ordem dos monges beneditinos) datada de 1588 que, anos antes, numa visitação de 1564, tinha sido 'dissolvido' um bando de monges que se apelidavam de 'nicolaístas'. Este bando, cujos partidários estavam sediados em Refojos e em Coimbra, devia o seu nome ao facto de Frei Diogo de Murça ter dado o 'hábito a alguns estudantes pobres que tinham por costume pedir esmola por amor de São Nicolau' (isto acontecia em Coimbra). O 'bando' rival dos 'nicolaístas' era o dos 'martinetes' (assim denominado por ter origem no Mosteiro de S. Martinho de Tibães).
Estes bandos, extintos em 1564, viriam a ressurgir alguns anos mais tarde, nos finais do século XVI. Apesar de terem ressurgido nos finais do século XVI, cerca de 20 anos após a morte de Frei Diogo de Murça, mantiveram o nome de 'nicolaístas', andando de 'capa caída na congregação'. Uma das suas figuras principais neste período foi Frei João Pinto, Abade de Refojos de Basto, sobrinho de Frei Diogo de Murça."
Não haverá qualquer relação entre a acção de Frei Diogo de Murça e as Nicolinas do presente, mas é arrepiante pensar (ou especular) que "pedir esmola por amor de São Nicolau" era, naquele tempo, quase o equivalente a pedir esmola agora.
Há uma relação muito estreita entre as Terras de Basto e Guimarães (muitos estudantes vieram daquelas bandas para o Internato Municipal, antigo Liceu).
E os 'nicolaístas' de 'capa caída', não fazem lembrar os Nicolinos em dia da "Romagem da Saudade"? Posso estar enganado, mas só me recordo, nos últimos tempos, de ver 'capa caída' em Guimarães...e em Coimbra.
Por último, porque a especulação (ou imaginação, ou outra coisa) já vai longa, uma 'maldade': caramba, os 'martinetes' não remetem, imediatamente, para uma versão antiquíssima dos tricórnios? Na minha cabeça, pelo menos, sim (e é muito possível que nada tenham a ver).
IMAGEM: Capa de "O São Nicolau dos Estudantes", de A.L. de Carvalho.
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