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  • Foto do escritorPaulo César Gonçalves

A ROMARIA (DE SANTA LUZIA)

António e Maria, naturais de Mesão Frio, concelho de Guimarães, cumprem o ritual de todos os anos: a 13 de Dezembro, descem, a pé, a encosta do Monte Latito, cruzam o Largo de Mumadona, enfiam-se nas entranhas da velha Vila pela Rua do Condestável (Nuno Álvares Pereira), viram à direita, entram na Rua de Santa Maria, dão meia dúzia de passos, voltam à esquerda, percorrem a travessa da Madrinha dos Estudantes (Senhora Aninhas), passam aos Laranjais, saem pela antiga porta da Muralha que cercava Guimarães e estacionam na Rua de Francisco Agra, na capela de Santa Luzia.

Entregam, à Santa, a costumeira esmola. Depois de umas rezas, voltam à rua. A azáfama não é a de outros tempos, mas há caras que se repetem. Caras e pregões:

- Olhe o docinho, meu amor! - Meio quilinho, baratinho! - Olhá passarinha! Sozinha, e casada, na caixa! - Quem quer um 'reloginho'? - É prá Santa dos olhos...

Maria, na frescura possível dos seus setenta e qualquer coisa, procura, no saco, o porta-moedas. Tenta, de forma salomónica, nunca repetir o local de compra do ano anterior. Com os anos, vem reparando que, tal como os romeiros, as caras dos vendedores repetem-se.

- O que vai ser, minha querida?, perguntam-lhe.

- É uma passarinha, se faz favor.

Pagada a compra, Maria procura agora rosquilhos (para dar aos netos). Achados numa das poucas tendas (sinais dos tempos), moram agora num saco de plástico amarelado. - Já está tudo?, pergunta-lhe António.

A Senhora, de faces rosadas pelo frio, ajeitando o lenço ao pescoço, acena em sinal afirmativo. De seguida, num gesto repentino, entrega a Passarinha ao António, que a guarda com jeitinho no bolso interior do casaco. Ela sorri timidamente. O António estende-lhe um beijo na bochecha, aquecendo-a.

Os dois, de braço dado, dão uma volta por aquele (agora) pequeno reboliço, encontrando pessoas que apenas se vêem por aquela altura, e outras que se encontram com mais assiduidade.

Falam do Natal e do ano que passou, recordando, também, com saudade, aqueles dias com mais de cinquenta anos: De quando António ofereceu, no adro da capela da Conceição, um sardão a Maria. E dos dias na expectativa de saber se seria agraciado, na Santa Luzia, com uma passarinha.

E foi.






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