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  • Foto do escritorPaulo César Gonçalves

NOVA YORK


- Parabéns, é uma menina!


Aquela sala é uma roda viva, uns entram, outros saem, sempre com a pressa no olhar e no passo.


-Já tem nome para ela?, perguntam-lhe.


A mulher, confusa, não percebe a pergunta. Pede para a ver, para que a poisem no seu peito, local que virá a conhecer mais do que qualquer outro, nos próximos anos.

- Quero tocar-lhe. Quero tocar na minha filha!


Uma enfermeira faz-lhe a vontade. A menina chora, porque lhe apetece. A mãe também, porque tem de ser.


Ali, num quadro que o mundo ignora, fazem-se perguntas às quais ninguém responde:

- Já soubeste? Está em toda a parte.

- É mesmo verdade?

- Dá para acreditar?


Há um som que preenche os pequenos espaços livres da algazarra, um zumbido de rádio, com palavras entrecortadas.


- Mas eu sou o pai. Quero ver a minha mulher!, escuta-se.


Irrompendo pela sala, uma figura descabelada e ofegante lança-se na direcção da mesa onde repousam mãe e filha.


- É uma menina!, diz a mãe, sorrindo com os olhos.


- Quem te trouxe? Como chegaste aqui?, questiona aquele desvairado homem.


- O nosso vizinho de andar. Não havia tempo...Desculpa, não consegui ligar-te.


O homem, ainda jovem, olhava a filha, atentamente. Tocava-lhe com medo de a magoar.


Sabia que, agora, viveria e daria, sem hesitar, a vida por aquele pequeno ser.


- Não tem mal. Não tem mal. O que importa é que estão as duas bem., remata.


Agarrando a mão direita à mulher, deixa sair nova pergunta:


- Já soubeste o que aconteceu?


A mais recente mãe (pelo menos que se saiba) das redondezas acena, em sentido afirmativo, com a cabeça.


- Não se fala noutra coisa. É mesmo verdade?, completa.


- É mesmo verdade., conclui, dividido pelas emoções, o pai.


A mãe respira fundo, pega a filha, segura-A com muito cuidado, e aperta, com mais força, a mão do companheiro.


- A nossa filha 'decidiu' querer nascer quando eu ouvi a notícia na televisão., conta.


- Deves ser abençoada, Lucy. Deves ser abençoada. , deixa escapar o pai, beijando a testa da filha, e, em seguida, fazendo o mesmo à mãe.


É a noite de Oito de Dezembro de 1980, em Nova York. John Lennon acabara de ser assassinado.






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