- Parabéns, é uma menina!
Aquela sala é uma roda viva, uns entram, outros saem, sempre com a pressa no olhar e no passo.
-Já tem nome para ela?, perguntam-lhe.
A mulher, confusa, não percebe a pergunta. Pede para a ver, para que a poisem no seu peito, local que virá a conhecer mais do que qualquer outro, nos próximos anos.
- Quero tocar-lhe. Quero tocar na minha filha!
Uma enfermeira faz-lhe a vontade. A menina chora, porque lhe apetece. A mãe também, porque tem de ser.
Ali, num quadro que o mundo ignora, fazem-se perguntas às quais ninguém responde:
- Já soubeste? Está em toda a parte.
- É mesmo verdade?
- Dá para acreditar?
Há um som que preenche os pequenos espaços livres da algazarra, um zumbido de rádio, com palavras entrecortadas.
- Mas eu sou o pai. Quero ver a minha mulher!, escuta-se.
Irrompendo pela sala, uma figura descabelada e ofegante lança-se na direcção da mesa onde repousam mãe e filha.
- É uma menina!, diz a mãe, sorrindo com os olhos.
- Quem te trouxe? Como chegaste aqui?, questiona aquele desvairado homem.
- O nosso vizinho de andar. Não havia tempo...Desculpa, não consegui ligar-te.
O homem, ainda jovem, olhava a filha, atentamente. Tocava-lhe com medo de a magoar.
Sabia que, agora, viveria e daria, sem hesitar, a vida por aquele pequeno ser.
- Não tem mal. Não tem mal. O que importa é que estão as duas bem., remata.
Agarrando a mão direita à mulher, deixa sair nova pergunta:
- Já soubeste o que aconteceu?
A mais recente mãe (pelo menos que se saiba) das redondezas acena, em sentido afirmativo, com a cabeça.
- Não se fala noutra coisa. É mesmo verdade?, completa.
- É mesmo verdade., conclui, dividido pelas emoções, o pai.
A mãe respira fundo, pega a filha, segura-A com muito cuidado, e aperta, com mais força, a mão do companheiro.
- A nossa filha 'decidiu' querer nascer quando eu ouvi a notícia na televisão., conta.
- Deves ser abençoada, Lucy. Deves ser abençoada. , deixa escapar o pai, beijando a testa da filha, e, em seguida, fazendo o mesmo à mãe.
É a noite de Oito de Dezembro de 1980, em Nova York. John Lennon acabara de ser assassinado.
Lamentável este assassinato!