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Foto do escritorPaulo César Gonçalves

SOMOS UM POVO DE EMIGRANTES (POR RECREAÇÃO, APENAS)



Champigny-sur-Marne, Setembro de 1964,


Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho, Doutor António de Oliveira Salazar,

cá lhe escrevemos de França, na esperança de receber uma resposta sua, uma vez que as outras dez cartas não mereceram qualquer tipo de atenção da sua parte. Ou isso, ou nem sequer teve delas conhecimento. Bem sabemos que é um homem ocupado, porque governar um país dá trabalho. Não lhe levamos a mal.

Queríamos, eu e a minha família, pedir-lhe desculpa por termos abandonado Portugal, mas, ao mesmo tempo, agradecer-lhe a oportunidade de conhecermos um país novo. Bem sabemos que a nossa amada pátria, a maior em tudo, com as maiores reservas de ouro que existem, tudo fez por nós, mas a cabeça não deu para mais. Uma das minhas sobrinhas até tentou comer, num assomo de fome, uma libra de ouro da Avó, minha Mãezinha querida, mas aquilo não lhe matou a larica, só lhe quebrou dois dentes.

Viemos para cá a salto, porque tivemos vergonha. Foi isso. O meu filho Serafim, o mais velho, também cá está, não quis ir para o Ultramar, como vossa excelência desejava. Ele manda-lhe um abraço e um pedido de desculpas. Não o leve a mal, ele não é dado a essas coisas da tropa, e o Senhor Doutor bem sabe que isso não é para todos. O meu sobrinho Tomás foi e, coitado, acabou por falecer, ainda não se sabe a razão, a minha irmã Conceição nunca recebeu explicações de ninguém.

Não nos leve a mal, até porque a França é um país bonito, embora a gente não vá muito à cidade. Falar a língua de cá é complicado, mas a canalha, que ainda é pequena, já vai tagarelando qualquer coisa. A minha Maria do Carmo, que tem 3 anos, já sabe dizer "cu", veja lá. As asneiras aprendem rápido, mas como "cu", aqui, é pescoço, acaba sempre por dar jeito.

Um dia que nos perdoe (porque é verdade, a gente, da nossa parte, não é dada a ressentimentos, e, como tal, esperamos o mesmo de si, português como nós. Um português excepcional, certo, mas português como os outros), teremos todo o gosto em recebê-lo por cá, em Champigny. A minha cunhada até lhe disponibiliza um quarto, se for preciso. Estou certo de que alguns dos meus vizinhos farão o mesmo. Traga galochas, ou botas, porque dão jeito para andar por estes caminhos. Não venha de carro, sujar-se-á todo.

Aguardando, ansiosamente, a sua resposta, e o seu perdão, que queremos por escrito para termos a certeza, aceite um abraço destes seus conterrâneos.

António de Abreu.

NOTA: O conteúdo foi corrigido e tornado legível.

FOTO (de Gèrald Bloncourt): As caixas-de-correio do bairro de lata de Champigny-sur-marne, onde viviam, na década de '60, 15 mil emigrantes portugueses.




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