Estamos quase nas Nicolinas, Zé. Daqui até ao Natal é um passo. Que saudades, Deus meu. Tu dizias que esta é uma época melancólica, que mescla o triste e o belo como nenhuma outra, antes ou depois.
Lembras-te? Tu costumavas dizer-me, e aos miúdos, que as Nicolinas, para ti, começaram, ainda canalhada, a partir da janela da sala de casa dos teus pais, no Toural. Punhas-te à janela, com os teus irmãos, a ver o cortejo do Pinheiro.
- Que chiadeira que era!, parece que te estou a ouvir.
Era um gosto estar atenta às tuas histórias do tempo de estudante do Liceu, ainda em Santa Clara, de quando ias às Novenas...logo tu, que nunca foste de missas. Vinhas por aí abaixo, com os outros, todos juntos, numa chinfrinada, até entrarem na cidade, novamente. Nunca foste de dizer que "no meu tempo é que era", porque aceitavas a mudança das coisas.
Os meus pais não me deixavam sair assim à boa, como tu sabes, e então, numa altura, no dia das Maçãzinhas, apareceste-me lá perto de casa, na estrada para Fafe, e levaste-me uma maçã ainda espetada numa lança, mas sem a cana, só com fitas. Perguntei-te logo se não tinhas andado a entregar, também, a outras. Não tinhas, que eu sei.
Nunca me contaste, porque não fazia o teu género, mas, uma vez, soube que tinha sido feito um determinado peditório, e que o dinheiro que os estudantes reuniram foi ter a casa de umas pessoas que estavam a passar por dificuldades. Quando me disseram a quem tinha tocado ir entregar a soma, descrevendo o rapaz por alto, percebi logo logo que estavas metido nisso.
Para o fim, pedias-me sempre que te trouxesse o folheto do Pregão, para que o lesses na tua calma. Na noite do Pinheiro, punhas-te junto à janela, na cadeira de rodas, a observar o escoar do cortejo. Eras, eu sei-o, novamente, uma criança, ou aquele jovem que muitas vezes vi de capa enrolada à volta do pescoço, conhecendo-te quase só pelos olhos.
Raramente te vi a chorar...talvez, não tenho a certeza, quando soubeste do que padecias, do que te viria a matar, e sim, aí estou certa, quando a tua Mãe morreu. Mas nos últimos Pinheiros, de manta pelas pernas, junto à janela, choravas como um menino. No último em que cá estiveste, não foste para a janela. Não quiseste ver, recordas-te. Mas pediste-me:
- Nela, abre a janela. Deixa o som entrar.
E eu fiz-te a vontade.
foto: AAELG/VN
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