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Foto do escritorPaulo César Gonçalves

REQUIEM PARA UMA NOÇÃO DE UNIVERSIDADE

Quando há 20 anos entrei para a Universidade, não nesta, mas em Trás-os-Montes, não tinha grandes expectativas em relação à vida académica. Afinal de contas, estava lá para, unicamente, completar um curso. O que eu não esperava, de todo, era testemunhar e sofrer uma reviravolta dramática na minha vida. E por que razão? Porque recusei, sempre, participar em actividades que, a meu ver, eram degradantes. Nas quais não me revia. Que eram absolutamente dispensáveis. A minha não participação na "praxe académica" valeu-me um tratamento 'especial', um verdadeiro apartheid académico, com a conivência de todos os envolvidos, com perseguição, esperas e humilhações durante, mais ou menos, 3 anos. Ninguém fez nada: era eu contra uma vaca sagrada e todo um aparelho que a legitimava. Vim para a UM, em 2004, e, apesar da alegria (ou alívio?), não contei com as sequelas: alguém sabe o que é stress pós-traumático? Durante dez anos, mais coisa, menos coisa, lutei contra uma espécie de inimigo invisível, e contra mim, com e contra a minha circunstância. Como poderão imaginar, a minha fé, que nada tem de religiosa, nas universidades, esfumou-se. Ou praticamente. Felizmente, depois de um tratamento, consegui, pelo menos, encarar a possibilidade de um retomar o que estava por completar: foi com essa máxima que voltei. Para fechar uma porta, de vez. Em 2017, concorri ao curso de Estudos Culturais, da Universidade do Minho. Entrei. As circunstâncias em que completei o curso são exaustivas. Dá-me vontade de rir, de troçar, mesmo, quando leio, a torto e a direito, a palavra "mérito". Mérito, o quê? Fazer uns exames e decorar umas noções aqui ou acolá?

Ter um emprego por conta própria, com pessoas a cargo e responsabilidades várias, é (muito) duro. Completei um curso sem saber se teria dinheiro para o pagar. Nos entretantos, fui assaltado, roubaram-me o carro (e partiram-mo todo), perdi o que tinha a e penhoraram-me as contas bancárias. Vivo todos os dias com depressão (crónica). A Universidade do Minho bloqueou-me o acesso, desde o início, a informações do portal académico, por ter dívidas de um ano que não frequentei (e do qual não pude anular a matrícula) : terminei o curso sem ter como aceder, em tempo real, a informações pertinentes e a pedidos tão necessários como inscrever-me numa época especial, algo que um trabalhador-estudante, à partida, necessita. Tive de realizar vários exames num só dia e abdicar de fazer outros por sobreposição; senti-me apoucado e menorizado por alguns dos docentes: brincaram com a minha cara num pedido de antecipação de pauta; outros tomam de pressuposto que há idades e condições para se ser um estudante universitário; outros ainda apresentam umas noções muito truncadas de capacidade ou falta dela. O regulamento é alegórico.


Em relação ao aproveitamento, sou sincero: não quis saber, na maior parte dos casos. Animei-me com as cadeiras interessantes. A maior parte, por estar agarrada à trilogia 'decora-debita-teste/exame', aborrecia-me de morte. Entre procurar saber a matéria que se estava a dar ou fazer algo bem mais estimulante, como alguns dos trabalhos que completei, enquanto autor, nestes três anos (a 2ª edição do 'Manual Nicolino', o 'Auto de Urgezes', o 'Um (Outro) Conto de Natal', 'A Lanterna (que aquece o Mundo)', os espectáculos 'De Assis' e 'A Cavalo', e ainda a colectânea "Sou + Eu", para além de outras obras que fui concluindo), escolhi sempre a 2ª opção. E não me arrependo. Nada.


Pesquisei muito e li ainda mais. Estudar, daquela forma que se convencionou, nada. Zero. Desde o início. Se tivesse de entregar trabalhos, muito bem: era uma forma de me agarrar e de me motivar. Se fosse forçado a fazer testes ou exames, aparecia, sentava-me e pronto. Sem dramas e marranços. Mas enfadado. A administração/reitoria tratou-me como lixo. Não devo, com certeza, ser o único ou ser o pior dos casos. Quem se der ao trabalho de ler o documento "Missão", no site da Universidade do Minho, deparar-se-á com uma série de afirmações que não saem do papel: como é que se constrói um modelo de sociedade baseado em princípios humanistas com o recurso, recorrente, a rankings que visam categorizar e estratificar pessoas? Qual é a liberdade de pensamento que existe numa restrição contínua das qualidades individuais ou colectivas, promovendo o unanimismo e a opinião estabelecida ‘à priori’ (tendo por fim a legitimação de uma visão já existente, como um jogo já viciado)? “Criatividade”, “bem-estar” e “solidariedade”, por exemplo, não devem ter, na Universidade do Minho, o mesmo significado que o dicionário Priberam nos oferece. Como é que a subalternização dos estudantes, a sua contínua utilização para objectivos puramente egotísticos e o aproveitamento, através de publicidade enganosa, dos seus sonhos e expectativas, se torna, vez alguma, numa formação humana ao mais alto nível? A Universidade do Minho promove a competição/ultrapassagem ao outro, a categorização e o clientelismo e o elitismo. O estudante surge como o elo mais fraco de uma cadeia que dele precisa para legitimar a sua existência. Há um regulamento e um código de conduta que apenas são válidos para deveres dos estudantes, sem controlo no que toca aos seus direitos (ao sabor de cada cabeça que pode e manda). Há uma recusa em mudar de estratégia/abordagem, visão e interesses. É pública no que tem de ser e privada em tudo o resto. Recebe o melhor dos dois mundos: beneficia de perdões e de financiamento; cobra, executa e persegue alunos: restringe direitos tendo por fim o lucro; aumenta o fosso entre privilégio e carência.


O que fez, de relevo, a fundação Uminho em relação à crise pandémica com que todos se debateram? Que tipo de apoios concedeu aos seus alunos, nacionais ou internacionais? Que respostas, necessárias, fulcrais, até, apresentou para que muitos dos seus estudantes não fossem impossibilitados de prosseguir os seus estudos, sem ser em condições muitíssimo complicadas, sujeitos, também, a humilhações ou a direitos truncados? E aos seus funcionários? Que reconhecimento existe que não seja o da (também) subalternização? A dimensão das pessoas que conduzem uma instituição vê-se, sobretudo, nas alturas de crise. Não podemos esperar, é certo, que o actual reitor, cujo carisma se assemelha ao de um sofá, seja uma espécie de Churchill, até porque há diferenças de base entre ambos, mas um pouco de humanidade e de noção da realidade não fazia mal a ninguém. Falta a essas pessoas, a quem dirige e administra, a empatia para perceberem que as suas cadeiras de privilégio se plantam muito acima do comum português ou minhoto. Não me merecem respeito. É isto que querem para o futuro? Mais de meio ano depois de ter terminado o curso, consegui, enfim, o certificado (preso que estava por causa da intransigência em renegociar valores, por parte da administração e do seu régulo neoliberal, mesmo dentro deste período terrível, com o meu negócio fechado e a acumular prejuízos). Quero acreditar que, por vezes, a sorte protege os audazes. Peço desculpa pelo texto longo e pelos que às vezes saem por aí. Não é nada de pessoal. Pelo menos saibam que tipo de sapatos se usam por aqui (antes de me chamarem maluquinho). Termino com uma citação de um génio (talvez o único que nasceu aqui, no Minho) : "Dar e receber, devia ser a nossa forma de viver (...) Dar o direito a toda a voz Esse Respeito que queremos para nós."




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